O primeiro texto do blog surgiu, assim, do nada. Pensei em defini-lo como relato, crônica ou, até mesmo, denúncia, mas acho que ele está mais para um desabafo. Eu preciso falar. Preciso relatar.
Hoje, por volta do meio-dia, vivi uma das situações mais revoltantes da minha vida. Não que tenha sido um fato grande, algo profundo. Mas, por um momento, me senti na pele de outra pessoa e, com isso, vivi a sua dor.
Entrei no ônibus e logo senti um odor forte. Algo ali cheirava mal. Cheiro de chuva, urina e pobreza. Em alguns segundos, descobri que o "algo" era, na verdade, alguém. Uma mulher. Magra, negra e com a cabeça raspada. Olhar frágil, olhar assustado. Com o frio que fazia, vestia apenas uma blusa e calça finas. Descalça. De meia molhada. Visivelmente abalada. Sem sutiã. Frágil. O cheiro vinha dela.
Nisso, houve a troca de motoristas. O motorista da vez entrou e, ao percebê-la sentada perto de seu lugar, logo no início do ônibus, fez cara feia. Olhou para o resto dos passageiros e zombou dela. Disse, em alto e bom som, que o perfume dali estava muito bom. Gritou um "Meu Deus do Céu". Fez careta e a olhou torto.
Ao mesmo tempo, com o ônibus ainda parado, pude ouvir uma conversa, dentro do tubo. Homens da URBS, devidamente uniformizados, conversando sobre a tal mulher. Um deles, incomodado, disse que queria ter tirado a "pessoa" dali, mandado-a embora do ônibus, mas que não pode, pois que desculpa ele teria? Depois de verem que não tinha jeito e que teriam que aguentá-la, por pior que fosse, o ônibus andou.
Nessa altura, eu já estava tremendo. Olhava para a moça e imaginava se ela entendia que estavam falando dela. Se ela sabia que estava sendo humilhada.
Então, tudo piorou. O motorista, não contente em zombar dela sozinho, gritou para o outro homem da URBS, que estava no final do ônibus, questionando o porquê do "colega" não ir para a frente conversar com ele. Ele gritava: "Venha aqui, o cheiro está ótimo". Minha tremedeira piorou. Quis gritar. Quis enfrentá-lo. Quis perguntar o que levava ele a crer que tinha o direito de humilhar alguém assim. Por menor que esse alguém seja. Por mais excluído que ele seja da sociedade. Por mais que cheire mal, more na rua ou seja homossexual.
Não consegui. Meu grito e revolta parou na garganta, não tive coragem. Engoli seco e prometi, para mim mesma, que se, durante o meu trajeto, ele falasse algo a mais relacionado àquela pequena mulher, eu o responderia. Fui o caminho inteiro imaginando a tal resposta que eu daria. Já tinha minha fala formada. No fundo, até torci para que ele a insultasse novamente, só para eu poder defendê-la. Eu ia ter coragem, eu ia ter que superar a falta de palavras.
Mas ele não falou. Permaneceu calado o resto do trajeto.
Chegou o tubo da mulher. Ela desceu, correndo, e nervosa. Por que ela estava daquele jeito?
Minha história com ela parou por ali. Morreu.
Logo depois, desci do ônibus também e tudo ficou para trás. A tremedeira, a revolta, o nervosismo. Ou não.
Senti pena, senti dó, senti raiva. Me calei. Não consegui falar. Até quando?
- 15:30:00
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