A voz de Michelle

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RESUMO Michelle Fernandes tem 31 anos e, apesar de hoje se encontrar em uma clínica de reabilitação, desde sua pré-adolescência teve sua vida ligada à vida nas ruas. Já entrevistada para o Globo Repórter, ela tem muitos planos para futuro, mas ainda não decidiu entre ser enfermeira, chef de cozinha ou socorrista. Apegada à música, tem uma clave de sol tatuada nas costas e sonha em gravar um cd.


(...) Depoimento a
AMANDA FILAS LICNERSKI – DE CURITIBA

"Fui para a rua a primeira vez porque fui estuprada por um tio, com uns 10 ou 11 anos. Ele disse que se eu o denunciasse, iria me matar. Isso me amedrontou. Não conseguia mais me envolver, estudar.

É difícil para mulheres, no geral, na rua. Para mim, até que foi diferente: foi como se eu fosse “a menina”, o bebê deles. Eu cheguei, assim, estranhando todo mundo, olhando com um pouco de receio, porque há muita violência na rua. Você vê muita coisa e acaba não acreditando no que está passando com você, por que está ali. Mas aquelas pessoas nunca fizeram mal nenhum para mim. Nunca sofri agressão na rua, nem um tipo de violência. Eu tenho cada uma delas por queridas, pois sempre me trataram muito bem. A verdade é que perdi minha família muito cedo, então, o que me ensinou mesmo foram as pessoas da rua, foram como minha família.

Eu fui uma pessoa que já experimentei drogas na minha vida. Não vou mentir. Eu tive um ex-namorado que era usuário. Eu creio que não sou dependente, totalmente, de drogas. Nem dependente de cigarro, nem de bebidas. Fumei muitos cigarros na rua só para “desbaratinar” o que os outros estavam fazendo. Eles me davam cigarro a vontade para fumar, só para disfarçar o que eles estavam fumando. Mas, graças a Deus, foram pessoas que estiveram comigo na hora do aperto... Quando tive frio me deram cobertor, na hora que tive vontade de ter uma blusa tiraram do corpo para me dar...

A última vez que fui para rua foi mais recente, quando permaneci lá por seis anos. Tive um conflito num trabalho que tinha como cozinheira. Sofri com a inveja dos outros, briguei, desanimei e revolvi ir para a rua de novo. Fui, com a minha Bíblia. Eu fui pedinte. Eu pedi porque não queria vender meu corpo. Na última vez na rua, usei muito a albergagem da FAS.

Minha relação com meu pai é complicada. Quando eu era criança, minha mãe, ainda viva, era cadeirante. Eu a ajudava muito. Aprendi a cozinhar, a limpar. Eu faço uma comidinha bem feita. Meu sonho é trabalhar em cruzeiro, cozinhando. Preciso fazer faculdade também. Quero ser socorrista, no SAMU, para atender pessoas em situação de rua [Michele quer fazer muitas coisas]. Minha relação com a minha família hoje é com os meus filhos. Tenho dois filhos: um menino mais velho e a pequena Rebeca, com quem tenho mais contato. Eu não tive uma mãe para abraçar, ela faleceu cedo. Não tive oportunidades. Por isso valorizo tanto quem esteve ao meu lado nesse tempo. E quero retribuir isso algum dia.

Eu quero gravar um cd. Eu louvo faz muito anos. Comecei a incorporar na voz depois que comecei a orar mais. Orar pelas pessoas que estão nos hospitais, nas ruas, que estão presas, encarceradas, que não podem ver a luz do sol. Meu foco aqui nessa clínica é seguir a palavra. Nós temos nossas atividades, nosso lazer, vamos parar a igreja durante a semana, é uma alegria, corremos nos arrumar. É muito importante. Eu louvo na igreja, intercedendo pelas pessoas que estão lá também. Eu sempre estive indo e voltando para rua. [criança, adolescente, depois que separou do marido, etc]

No momento, estou em tratamento. Não posso trabalhar agora. Eu quero passar minha vida aqui dentro, na clínica, como enfermeira. Eu cheguei aqui por intermédio de uma ação social. Eu não sabia quem eu era, o que estava fazendo.

Eu quero ajudar quem me ajudou."

Texto feito para disciplina de Redação Jornalística I. 

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